Primeiro longa gaúcho com som será exibido no Festival de Roterdã

Por MRNEWS:

Longa-metragem pioneiro do cinema gaúcho, Vento Norte (1951), de Salomão Scliar, venceu o processo de seleção e curadoria e será um dos destaques da programação oficial da próxima edição do Festival Internacional de Cinema de Roterdã, na Holanda, que acontecerá de 29 de janeiro a 8 de fevereiro de 2026.

O festival é considerado um dos cinco maiores do gênero na Europa e exibirá o filme na mostra Cinema Regained, que reúne obras clássicas restauradas, documentários e produções experimentais sobre a cultura cinematográfica. O anúncio da escolha de Vento Norte ocorreu no último dia 16.

O filme, que foi restaurado em 4K, terá duas exibições durante o festival, mas o calendário com as datas ainda não foi divulgado.

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A restauração foi feita pela Cinemateca Capitólio, por meio da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, em parceria com a Cinemateca Brasileira, de São Paulo. Em entrevista à Agência Brasil, a diretora da Cinemateca Capitólio, Daniela Mazzilli destaca a importância histórica do longa-metragem.

“Por ser o primeiro filme de ficção sonora realizado inteiramente no estado do Rio Grande do Sul, um dos principais objetivos era conseguir recuperar essa cinematografia gaúcha”.

Vento Norte teve uma primeira digitalização, em VHS, no início dos anos de 1990. Daniela explicou que, hoje em dia, com as projeções digitais de altíssima definição, esse tipo de material “já não dá mais conta”.

“Então, a recuperação do filme, o restauro dele, a partir das cópias em película, e a restauração inclusive do próprio som, era extremamente importante”.

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O projeto estava no radar da cinemateca há muito tempo, e a restauração foi concluída este ano, quando se comemora o centenário de nascimento do cineasta.

 

Cena de Vento Norte, longa-metragem de Salomão Scliar que será destaque no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, na Holanda. Foto Salomão Scliar/ Cinemateca Capitólio

Situação de risco

O número de pessoas que solicitavam a exibição do filme era outro motivo que justificava a realização de sua restauração, conta Daniela. Ela explica que o fato de o filme ter, hoje, só duas cópias em 35 milímetros, uma delas no Rio Grande do Sul, cria uma situação de risco à projeção dessas cópias.

“Então, realmente, a digitalização também vem ao encontro dessa necessidade de existir uma cópia muito melhor para poder circular, porque 35 mm começa a ser, hoje, uma cópia de guarda. E, não mais, uma cópia de difusão”.

A diretora da cinemateca conta que talvez exista uma cópia do filme no Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma). Segundo ela, essa possibilidade está sendo investigada.

A restauração que será exibida no festival holandês foi feita em 4K, que é um sistema mais moderno de projeção cinematográfica, de altíssima resolução. Tanto cinemas comerciais como cinemas de arte e festivais já exibem no formato DCP 2K e 4K.

O DCP (‘Digital Cinema Package’) é o formato padrão mundial para a exibição de filmes em salas de cinema digitais, funcionando como o equivalente digital das antigas bobinas de filme. Os termos 2K e 4K referem-se às diferentes opções de resolução de imagem dentro desse sistema.

Daniela Mazzilli afirmou que, além de sua questão histórica, de como foi realizado, em que local e momento, Vento Norte é um filme esteticamente muito lindo.

“É um filme brasileiro que precisa muito ser visto. É o elo entre o neorrealismo italiano e o cinema novo brasileiro, por conta da linguagem que é usada, pelo fato de serem não atores em boa parte do filme, pelas paisagens naturais, a forma como foi filmado”.

 

Pescadores de Torres, no Rio Grande do Sul, são os personagens de Vento Norte. Foto Salomão Scliar/ Cinemateca Capitólio 

O filme

Primeiro longa-metragem de ficção com som inteiramente filmado no Rio Grande do Sul, no início da década de 1950, Vento Norte foi rodado em preto e branco na cidade de Torres, no litoral gaúcho. Muitos dos pescadores de Torres participaram do filme como atores.

A trama retrata a rotina de uma pequena vila de pescadores, abalada pela chegada de um misterioso forasteiro. Sua presença desperta paixões e desencadeia uma série de ações violentas entre os habitantes locais, conduzindo a trama a um desfecho trágico.

Município litorâneo do Rio Grande do Sul, Torres revela no filme uma paisagem de dunas e ventos pouco conhecida pelo resto do Brasil. Para Daniela, essa é uma outra forma de mostrar a grandeza do país, com a diversidade de formas comum aos próprios estados brasileiros.

“A gente tem no imaginário um Rio Grande do Sul serrano ou de pampa e, de repente, tu tens esse primeiro longa que é feito na praia, com pescadores, onde tem toda uma cultura própria”, descreve. “Realmente, é um filme em que a beleza da fotografia vai chamar bastante atenção”.

O longa foi montado no Rio de Janeiro, onde foi exibido pela primeira vez no Círculo de Estudos Cinematográficos, em janeiro de 1951.

Em maio deste ano, Vento Norte teve sessões no Museu de Arte de São Paulo e no Clube de Cinema de Porto Alegre. Em julho, também entrou em cartaz no Cinema Imperial, na capital gaúcha.

Salomão Scliar

O cineasta Salomão Scliar (1925-1991) era fotógrafo e trabalhou nos principais veículos do país. Apesar disso, a diretora da Cinemateca Capitólio reconheceu que ele não é muito conhecido pelas novas gerações de cineastas brasileiros.

“Justamente porque o Salomão só fez, em termos de longa-metragem, esse único filme. Como era, em essência, fotógrafo, ele acabou se dedicando muito mais à fotografia. Até mesmo quem estuda cinema provavelmente não conhece ainda esse filme, embora ele seja muito trabalhado no Rio Grande do Sul, porque é o primeiro longa sonoro aqui do estado”.

 

Fotógrafo Salomão Scliar dirigiu o longa-metragem considerado pioneiro no cinema gaúcho Foto Cinemateca Capitólio/ Divulgação

Daniela contou que o pesquisador Glênio Póvoas fez uma pesquisa muito extensa sobre essa obra, que acabou sendo um farol no processo de restauração do filme.

Ainda que Scliar seja pouco trabalhado nas escolas de cinema, ela acredita que vai ter um impacto muito importante as pessoas conhecerem esse único longa que ele fez.

“Vai inspirar outros, com certeza. Assistindo ao trailer do filme, percebe-se uma conexão com o cinema novo brasileiro, com Glauber Rocha em especial. Por isso que existe essa conexão com o cinema novo brasileiro”.

Experiência surreal

Para Daniela Mazzilli, assistir Vento Norte no cinema é uma experiência surreal. Desde que a Cinemateca iniciou o trabalho de digitalização da película e seu restauro, Daniela começou a conversar com alguns programadores de festivais, “porque é um filme que circula no imaginário de muitos programadores”.

“A gente vinha construindo em que lugar seria o lançamento dessa cópia, justamente em espaços que priorizam e que tenham esse olhar para o cinema de arquivo e para a importância de trazer filmes até então desconhecidos, de conhecer outras cinematografias. E, aí, Rotterdã realmente foi um presente para o cinema gaúcho nesse sentido”.

Para ser escolhido, Vento Norte passou por um processo de seleção, de curadoria e de programação para o festival. “É um processo longo. São meses de espera, de mandar cópia, porque é um time de curadores que faz esse processo de seleção. Roterdã é um dos mais importantes festivais do mundo. O funil é muito grande”.

No ano passado, concorreram 43 filmes nessa seleção de filmes de arquivo. São quase 400 filmes na seleção geral do festival, que tem diversas mostras.

“Ser o único filme brasileiro nessa mostra em específico é muito significativo. É realmente um trabalho de formiguinha, de meses”, celebrou Daniela.

Além de Roterdã, outros festivais que têm esse olhar para filmes de arquivo são Berlim, Cannes, Veneza e Locarno. Para o Brasil, a participação de Vento Norte em Roterdã é especialmente importante porque vai ser a primeira exibição mundial, que poderá abrir novas portas para outros festivais.

 

Vento Norte, longa-metragem de Salomão Scliar, será destaque no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, na Holanda. Foto Salomão Scliar/ Cinemateca Capitólio

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